BY: bielsabatini Não conseguia acreditar naquilo que meus olhos viam. O Bernardo ali parado na minha frente mais parecia um fantasma vindo direto do meu passado. Meu corpo inteiro tremia de choque e minha respiração falhava nos pulmões.
Ele estava diferente desde a ultima vez que nos vimos. Continuava mais baixo que eu, mais ou menos 1,75, o corpo magro estava somente um pouco mais encorpado e o velho topete em desalinho continuava como marca registrada. O rosto estava liso, sem barba, mas o queixo mais quadrado e marcado dava um ar mais velho a aquele menino que eu conheci. Infelizmente sim, ainda era um cara bonito e atraente.
Ele continuava me olhando, estudando minha reação enquanto meus movimentos pareciam congelados sem que eu pudesse me mexer.
– Nossa, eu custei pra te reconhecer. Ta tão grande, forte, barba rala… mas eu te reconheceria em um milhão.
Ele disse sorrindo meio sem graça diante daquela situação.
Não respondi. Com custo consegui virar as costas e sair andando. Ainda ouvi os protestos do garçom que estava preparando as bebidas, mas aquilo pouco interessava. Eu só queria sair daquele lugar e acordar daquele pesadelo. Fui caminhando rápido, esbarrando nas pessoas, tentando achar a saída. Cheguei a um lounge com sofás e pufes, mas poucas pessoas ocupavam o lugar e antes que eu pudesse continuar, senti ele puxando meu braço.
– Espera, vamos conversar.
– Tira as mãos de mim! Se você encostar um dedo em mim de novo, você vai ficar sem ele!
Esbravejei, com toda a raiva que sentia dentro de mim.
– Cara, só me ouve! Eu sei que eu errei, mas eu voltei pra consertar isso. Eu tive medo..
– Cala a boca! Eu não quero ouvir nada que venha de você! Pra mim você ta morto e enterrado, e os mortos não falam!
– Gabriel, por favor. Eu sei que eu agi errado, mas caralho quem não erra?! Vamos conversar e eu te explico tudo..
– Explicar o que?! Que você foi embora sem um pingo de sentimento? Que você me expulsou da sua vida depois de anos de amizade? Que você mesmo que armou toda aquela situação, com vodka e tudo mais, então sumiu?! Que teve medo? Vai tomar no olho do seu cú, seu filho da puta! Tem ideia do que eu passei? Do que eu sofri?
– Biel…
– Não! Não me chama assim! Presta atenção, some da minha vida! Eu nunca mais quero te ver de novo! Pega esse seu remorso e enfia no cú, vaza!
– Cara, tenta entender…
Eu fiz um sinal com a mão pra ele calar a boca ao ver a Jackie se aproximando. Abaixei a cabeça tentando respirar fundo e me recompor pra que ela não reparasse os ânimos exaltados. Ela veio vindo sorrindo. Ele olhou para ela e depois pra mim, e então ficou em silêncio.
– Oi meu amor, a gente ta até agora esperando as bebidas. Se perdeu foi?
Ela falou rindo. Eu estava tentando ao máximo controlar meus nervos, mas estava impossível. Ela olhou pra mim esperando uma resposta e depois pra ele. Ficou aguardando que eu o apresentasse e depois que ele mesmo o fizesse, mas nenhum dos dois se pronunciou.
– Desculpa, oi tudo bem? Você é?
Ela disse pra ele, o cumprimentando com um aperto de mão.
– Desculpa eu, meu nome é Bernardo, prazer.
– Jackie, o prazer é meu. Pera, Bernardo…não me é estranho esse nome. Você é o que foi pros Estados Unidos?
– Sim, sou eu mesmo.
Ele respondeu com um sorriso, que eu poderia quebrar se estivesse a sós com ele.
– Ah nossa! Já ouvi falar algumas vezes de você. Como você veio parar aqui, chegou quando?
– Cheguei essa manhã.
Ele respondeu simpático, porém sem graça.
– Que legal! A galera vai gostar de te rever. Não quer ficar na mesa com a gente?
– NÃO!
Eu falei mais alto que eu pretendia. Ela me olhou meio assustada e eu novamente abaixei a cabeça, coçando o cabelo.
– Jackie, vamos embora, eu não to me sentindo bem.
– Mas amor, a festa tá tão boa. O que foi? Tá sentindo o que?
– Muita dor de cabeça. Vamos, agora.
Ele me olhava, mas não dizia nada. E também não saia dali. Que raiva!
– Ah amor, eu quero ficar mais um pouco. Se tu não tiver se sentindo bem, eu volto com a Kelly, sem problemas. Você se importa?
– Não, tudo bem, eu só quero ir embora. Fala pro povo o que aconteceu, que eu não me senti bem.
– Tá bom. A gente se fala amanhã.
Ela disse me dando um selinho na boca. Olhei mais uma vez com ódio pra ele e me dirigi a saída. Fui caminhando rápido pelo estacionamento, pegando as chaves do carro no bolso. Me aproximando do veiculo, ouço novamente a voz dele:
– Então você ta namorando… Muito bonita ela, parabéns.
Me virei com raiva e esbravejei:
– Mas que porra é essa?! O que você ta fazendo aqui? Você me seguiu?
– Eu não vou desistir até você me ouvir. Eu só voltei por sua causa e pra resolver essa questão do passado. Por favor, me ouve?
– Seu viado, filho da puta! Eu já disse que eu não tenho nada pra ouvir de você! Nada do que você fale vai mudar o que aconteceu!
– Não muda o que aconteceu, mas pode mudar o que virá. Tem tantas coisas que eu quero te falar…
Ele foi falando se aproximando, os olhos dentro dos meus, com o mesmo dom de hipnotizar de anos atrás. Chegou mais perto do que eu gostaria e parou na minha frente. O perfume dele entrou nas minhas narinas me deixando zonzo.
– Eu achei que esses anos pudessem apagar aquela noite. Eu achei que eu pudesse voltar e te olhar como aquele velho amigo. Até hoje eu ainda tinha essa esperança …
Ele levantou a mão com a menção de passa-la no meu rosto, mas meu reflexo foi mais rápido e eu o empurrei.
– Não toca em mim! Não vai ter próxima, eu vou te arrebentar. E me faz um favor: Volta pra lá ou pra qualquer outro lugar! Vai pro inferno!
Entrei no carro e dei partida, saindo cantando pneu, deixando ele parado no estacionamento. A verdade é que não consegui andar 300 metros e tive que parar o veiculo. Minhas mãos tremiam e eu precisava respirar. Que merda! Porque ele voltou?! Bati com força no volante. Depois de tudo que eu passei, ele quer falar palavras bonitas, pedir desculpas?! Não, obrigado. Não vou cair nessa. Ele enterrou a nossa amizade e aquilo que eu descobri sentir, eu mesmo já tinha enterrado. Naquela noite quase não dormi. Pesadelos misturado com sonhos que voltavam a aquela noite rodavam meu sono.
No dia seguinte estava mal humorado sentando no sofá vendo TV quando a campainha tocou. Gelei por dentro. Era só o que faltava ser ele. Fiquei ainda um tempo sentado com medo de levantar, mas a campainha continuava soando insistente. A contragosto levantei e olhei pela a janela, então vi o Kadu no portão. Respirei aliviado e chamei ele pra entrar. Nos cumprimentamos e ele foi logo falando:
– E ai cara, o que te deu ontem?
– Dor de cabeça. (seco)
-Ishh, ta de mal humor. Que bicho te mordeu hein? Tu perdeste o melhor da festa e ainda deixou a Jackie sozinha pros cueca de plantão.
– Eu não tava bem Kadu, achei melhor vir pra casa.
– Ta de boa. A surpresa da noite ficou por conta do Bernardo. Quando a Jackie falou que ele tava lá, ninguém botou fé, mas não era ele mesmo? Ficou lá na mesa com a gente, altas historias dos “States” Hahahaha
Olhei com tanto ódio pra ele, que ele parou de rir na mesma hora.
– Nossa Biel, você podia matar alguém só olhando assim. Você nunca falou qual foi a treta entre vocês.
– Ele não é a pessoa que eu imaginava ser e ponto.
– Mas vocês se falaram ontem. A conversa foi de boa?
– Eu não tenho nada pra conversar com aquele cara. Que merda!
– Ta bom, não vou insistir. Não quer falar, não fala. Bora trocar de roupa que já ta na hora da pelada. Você ta precisando dar uns bicos na bola.
– Nem to afim..
– Nem pensar, vai logo. Não vou te deixar em paz. Boraaa!
Olhei pra ele com cara de desanimo, mas ele podia ter razão. Precisava correr e dar uns chutes pra poder aliviar toda aquela tensão que eu estava sentindo. Troquei de roupa rápido e fomos andando pro campinho que tinha ali no bairro mesmo.
Chegando ao local, os outros jogadores estavam terminando de se arrumar. Alguns se alongavam, outros terminavam de vestir suas chuteiras. Eu calcei a minha rapidamente e estava de papo com alguns companheiros do meu time quando avistei o Bernardo chegar. Estava devidamente vestido para jogar e foi logo cumprimentando os presentes ali. Olhei pra aquela cena sem acreditar que ele teve a cara de pau de aparecer na pelada. Ele me olhou e deu um sorriso provocador, pois sabia que meu sangue estava fervendo nas veias de ver ele ali.
O Kadu vendo que eu estava desconfortável com a situação, falou apreensivo:
– Foi mal Biel, eu não sabia que vocês estavam brigados ainda depois de tanto tempo. Ontem quando ele sentou na mesa, papo vai, papo vem, os garotos chamaram ele pra pelada.
– Ah então foram vocês que chamaram? Que legal! Não vou mais jogar.
Eu falei tirando o colete e saindo do campo. Ele foi atrás de mim, colocando a mão no meu ombro.
– Porra, Biel! Pega leve, a gente não sabia que vocês ainda tavam nessa. Quer dizer, você né? Porque o Bernardo não parece alimentar esse ódio de você.
– Eu tenho os meus motivos, Kadu!
Eu praticamente gritei, caindo em mim em seguida. Não queria chamar atenção, nem parecer descontrolado. Ele não podia causar efeito em mim. Respirei fundo, me recompondo.
– Calma, Biel. Se eu soubesse, eu não teria chamado. Foi mal..
– Tudo bem Kadu, vocês não tiveram culpa. O problema é meu, não é de vocês. Desculpa ter gritado.
– De boa, agora pára com essa besteira de não jogar mais e vamos voltar pro campo. Ele vai ficar no time adversário e não precisam nem se falar se você não quiser.
– Ah, não sei..
– Vamos, Biel. Aproveita essa oportunidade, cava uma falta nele e descarrega essa raiva. Eu to brincando kkkk. Bora, não vai desfalcar nosso time não.
E eu não queria mesmo deixar eles na mão e concordei em jogar. Sabia que as chances de dar alguma merda eram grandes, mas não tinha muita escolha.
A partida começou e logo todos estavam correndo pra lá e pra cá. Os times estavam equilibrados e os gols eram quase os mesmos pros dois lados. Toda aquela situação me traziam muitas lembranças. O jeito que ele jogava ainda era o mesmo. A forma como corria, puxava a bola, girava o tronco. O suor escorrendo pelo rosto. Eu me esforçava pra não prestar atenção nesses detalhes, mas era quase impossível. Pra piorar a situação, quem estava me marcando era ele. Sempre que ele se aproximava com o falso intuito de me afastar da bola, roçava os braços na minha cintura ou me empurrava com o ombro. Os corpos se esbarravam o tempo todo. Me desvencilhava a base de cotoveladas e empurrões. Insistente, ele continuava e claro que se aproveitava daquela situação.
Teve um momento que ele segurou a minha cintura e praticamente me encoxou, se aproveitando da confusão de jogadores dentro da área. Falou perto do meu ouvido:
– Saudades disso..
Eu virei com tanta raiva, que ele cambaleou pra trás. Eu dei num empurrão tão forte que ele caiu sentado no chão.
– Seu filho da puta! Eu vou te quebrar na porrada!
Eu fui pra cima dele, mas a turma do deixa disso já estava ali para me afastar e acalmar os ânimos. O Kadu me puxou e conversou comigo, pedindo pra eu me acalmar. Logo voltamos ao jogo e eu não deixava ele se aproximar muito. Não ia facilitar em nada pra ele, e eu nem me aproximava mais da área para que ele não tivesse motivos pra ficar perto de mim. Não demorou muito ele fez um gol e foi comemorar com o seus companheiros de time. Entre um abraço e outro, olhou pra mim e fez com a boca: “Pra você” e abriu um sorriso imenso. Fiquei totalmente desarmado, sentindo um misto de raiva e uma sensação esquisita que eu não conseguia explicar.
O jogo recomeçou e ele se mantinha na área se sentindo o Romário. Estava bem próximo ao gol e quando a bola caiu nos meus pés, eu não pensei duas vezes. Mirei nele e acertei um bico com toda a força que tinha em mim. A bola foi certeira como um foguete, lhe acertando em cheio na cabeça, fazendo ele cair e bater com o crânio na trave, caindo desacordado em seguida.
Arregalei os olhos, paralisado sem saber o que fazer.
– Meu Deus, o que foi que eu fiz?!
….Continua
XXXXX
Tweet
Conto Anterior
Meu novo gerente de olhos azuis